O legado da gestão Doria/Garcia em São Paulo

João Doria e Rodrigo Garcia (Foto: Governo de SP/Divulgação)

Falar de legado de quem, na prática, teve pouco compromisso com as boas práticas de mobilidade é, digamos, contraditório, pois quando usamos esse termo, sempre imaginamos algo de positivo, o que, em partes, não foi o caso da atual gestão. Evidentemente que erros ou desacertos ocorrem. O problema é tentar justificar esse erro com declarações falaciosas, negando as principais evidências.

João Doria (PSDB), quando prefeito, cometeu vários retrocessos na área de mobilidade urbana nos mais de 15 meses comandando São Paulo. Se em tão pouco tempo fez tantas coisas erradas, imagina se tivesse passado os 4 anos, cumprindo sua promessa. O estrago certamente seria maior. Não temos nem um pouco de saudade dele. Entretanto, quando assumiu o posto de governador do estado, esperávamos que, ao menos, tivesse aprendido com os erros, o que, infelizmente, não ocorreu.

Mas antes que você, caro leitor, ache que estamos sendo injustos, vamos sim falar dos pontos positivos. Sim, existiram pontos positivos e isso é inegável, embora, como já relatado, ficaram ofuscados em decorrência de vários retrocessos.

Acertos e pontos positivos

A gestão Doria retomou algumas obras que estavam paradas e isso sim é louvável. Como destaque temos o prolongamento das Linha 2-Verde que estava parado desde o começo da década passada. Essa extensão é de grande importância, pois a integração na Estação Penha com a Linha 3-Vermelha, dará uma gama de possiblidades de deslocamentos e um rápido acesso à Avenida Paulista com uma transferência apenas sem a necessidade de ir até e região central.

Além da Linha 2-Verde, outra obra importantíssima é a Linha 6-Laranja, uma Parceria Público-Privada (PPP) integral que vai permitir a construção de uma nova linha ligando a Brasilândia até a Estação São Joaquim. A construção estava paralisada desde 2016 e foi retomada 4 anos depois. As obras seguem a todo vapor e a previsão de entrega é para o ano de 2026.

As duas linhas de monotrilho também tiveram um avanço com a inauguração de estações da Linha 15-Prata e a retomada de parte das obras da Linha 17-Ouro. No caso dessa última, houve algumas externalidades e não arriscamos dizer o prazo de sua conclusão. Com relação à Linha Prata, recentemente o governo autorizou a construção do prolongamento até a região da Jacu-Pêssego.

Na Linha 4-Amarela, a chegada em Vila Sônia permitiu o acesso rápido ao centro, reduzindo o tempo de viagem, além do ônibus de conexão com Taboão da Serra.

Na CPTM, houve a inauguração das estações João Dias e Mendes-Vila Natal, todas na Linhas 9-Esmeralda. Particularmente, falando da estatal ferroviária em específico, notamos um avanço no que tange a certas obras e até na transparência de divulgação, algo que não víamos na gestão anterior.

No caso do VLT da Baixada Santista, foi iniciada a obra da fase 2, interligando com a região do Valongo.

Saindo um pouco da área de mobilidade, tivemos a despoluição parcial do Rio Pinheiros. E escrevemos “parcial”, porque foi prometido outras coisas, que não se cumpriu.

Erros e retrocessos

Infelizmente os erros e retrocessos foram destaque na gestão Doria, a começar pela extinção da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa) logo no primeiro ano de seu governo, sob alegações completamente questionáveis. A Emplasa tinha um papel importantíssimo, papel esse que foi perdido com sua extinção. Havia uma proposta de fusão com o Instituto Geográfico Cartográfico. Houve manifestações a respeito, mas todas em vão.

Seguindo com os erros, a gestão Doria protagonizou um dos maiores retrocessos da história da mobilidade paulista: a substituição do monotrilho da Linha 18-Bronze por um Corredor do tipo BRT. Sem dúvidas alguma foi um equívoco sem precedentes e que gerou discussões acaloradas por parte de envolvidos e especialistas. A PPP do projeto já havia sido assinada, bastando a parte que competia ao estado ser viabilizada. Doria optou por fazer o mais fácil, cancelando o contrato e mudando todo o projeto. Como “prêmio” de consolação, a gestão tucana passou a dar destaque ao projeto da futura Linha 20-Rosa, que atenderá a região, mas não nessa década. Vale ressaltar que se não tivesse havido intempéries, a Linha 18 já estaria em pleno funcionamento neste exato momento.

E quando achávamos que os erros já havima sido cessados, eis que o governador decide enviar à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) o Projeto de Lei (PL) 529/2020, com o propósito de realizar uma suposta reforma administrativa. No PL em questão constava dois grandes absurdos (entre vários outros), no caso a extinção da Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU) e da Empresa Metropolitana de Transporte Urbano (EMTU). Segundo o projeto, as atribuições da EMTU passariam para a Agência de Transporte de São Paulo (Artesp). Entretanto, até o momento, nenhuma das duas empresas, de fato, foram extintas, o que nos dá um alívio.

A concessão das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda foi mais um erro tremendo da gestão que está terminando. Os estudos estavam sendo realizados desde o ano de 2016, com uma breve pausa em 2018. Com a retomada, já em 2019, aproveitou-se tudo o que já havia sido feito, sem os cuidados para um trabalho melhor apresentável. Mesmo com a pandemia, os cálculos de demanda sequer forma refeitos, optando-se por uma cláusula financeira que viria a ressarcir a futura operadora em caso de queda de demanda. O tempo de transição foi curto. O resultado não poderia ser diferente: problemas, falhas e uma operação péssima ao longo do ano de 2022. Teve de tudo, como avanço no sinal, abertura de porta do lado oposto à plataforma e até uma colisão na Estação Júlio Prestes. Tudo isso fez com que o Ministério Público (MP) iniciasse uma investigação cogitando o rompimento do contrato, algo que esperamos que ocorra. Rodrigo Garcia (PSDB), que assumiu assim que Doria saiu para tentar concorrer à presidência, de forma extremamente dissimulada e falaciosa, chegou a afirmar que os problemas poderiam ser em decorrência de ex-funcionários da CPTM demitidos, algo sem o menor cabimento e que ele jamais pode provar. Tentaram de tudo para justificar o fracasso da concessão.

No dia da inauguração da Estação Mendes-Vila Natal, da Linha 9-Esmeralda, em mais um espetáculo midiático, João Doria, pegando todos de surpresa, afirmou que a nova parada se chamaria “Bruno Covas – Mendes-Vila Natal”, em homenagem ao prefeito que acabara de falecer, sem se preocupar com os custos da alteração do nome e se esquecendo de tudo o que havia sido feito. Para quem se diz gestor preocupado com os recursos públicos, isso foi mais uma atitude impensada.

O Trem Intercidades, embora uma obra de grande importância, vem sendo levada adiante de uma forma, digamos, que poderia ser melhor trabalhada. Para o Plamurb, o projeto pode fazer com que o serviço fique aquém do esperado. O tempo entre São Paulo e Campinas não é tão atrativo quanto deveria. O valor a ser cobrado, tendo como referência o teto tarifário, não será tão competitivo e o fato de incluírem a Linha 7-Rubi da CPTM, também não nos agrada pois aparenta ser apenas uma “garantia” caso o projeto fracasse. Sem contar que o custo geral do projeto está orçado em cerca de R$ 10 bilhões, com o Estado arcando 80% desse valor. Para a “iniciativa” privada, é uma oportunidade de ouro. A gestão Doria poderia ter revisto alguns desses pontos, mas aparentemente não estão interessados.

Por conta da preferência por concessões e privatizações, Metrô e CPTM foram claramente preteridas na gestão Doria. Pode até soar como contraditório se levarmos em conta as obras descritas acima, mas é preciso entender que as obras e novos projetos são de responsabilidade das duas estatais, mas não há garantias de que operarão as futuras linhas.

Algumas linhas de ônibus da EMTU foram seccionadas no eixo da Linha 4-Amarela. De uma maneira geral isso é normal à medida que novas estações são implantadas, pois isso faz parte do que chamamos de racionalização e troncalização do transporte. Entretanto, no caso da Linha Amarela, sabemos que há cláusulas contratuais que proíbe a concorrência entre a EMTU e a linha metroviária, de modo que as linhas devam ser seccionadas. Com a inauguração da Estação Vila Sônia, o governo passou a ter um bom argumento para isso.

As renovações de concessões de rodovias também foram um erro da gestão Doria. Em 2022, três concessões foram renovadas, no caso a AutoBan, ViaOeste e SPVias, com períodos diferentes. A promessa é que os pedágios não sofram reajustes. O problema aqui é que o correto seria fazer uma nova licitação, buscando valores de pedágios mais baratos do que aqueles praticados atualmente. Vamos explicar: na primeira concessão, ocorrida no final dos nãos 90 e começo dos anos 2000, os valores altos dos pedágios se justificavam porque, naquele momento, muitas obras eram necessárias, como a duplicação, construção de viadutos, trevos, vias marginais, postos de socorro, etc. Com o passar dos anos, tais obras foram realizadas, de modo que, atualmente, as concessionárias devem apenas realizar, essencialmente, a manutenção. Por esta razão, sem a necessidade de grandes obras, os valores poderiam ser menores. Com a renovação antecipada, a gestão Doria/Garcia inviabilizou isso.

Conclusão

De uma maneira geral, os pontos positivos da gestão Doria se concentraram na retomada de obras paradas e a continuidade daquelas que já estavam em curso, em projeto, ou não. Fora isso, nada de novo. E não vamos colocar medidas pontuais na conta, como as boas ações da CPTM e do Metrô, porque são coisas corriqueiras, vindas da própria empresa, como o Expresso Leste até Estudantes e as novas licitações das linhas 16-Violeta e 22-Marrom. Essas duas últimas, nos pareceu anúncios eleitoreiros.

Infelizmente os retrocessos tiveram um impacto muito maior, infelizmente. Mas nada de surpreendente vindo do Doria, já que quando esteve na prefeitura demonstrou ter pouco apreço em relação ao setor de mobilidade urbana. A gestão moderna e eficiente passou bem longe.

Como legado fica aqui a importância de que na mobilidade urbana, nem sempre o mais barato é o melhor. Muitas vezes é mais coerente investir mais para ter um serviço primando pela qualidade, até porque, é sabido que essa área não é nem um pouco barata e dificilmente uma obra licitada hoje, será inaugurada na mesma gestão. Projetos de mobilidade urbana transcendem gestões, portanto, existem governadores que dão início às obras, enquanto outras as inauguram. E assim sempre será, mesmo no caso paulista, onde um mesmo partido governou por quase três décadas. Uma linha de metrô ou um novo corredor de ônibus deveria ser vista como projeto de Estado. Doria nunca entendeu isso. E dificilmente entenderá.



source https://plamurbblog.wordpress.com/2022/12/31/o-legado-da-gestao-doria-garcia-em-sao-paulo/

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