Colisão, descarrilamentos e passageiros insatisfeitos: o primeiro ano da ViaMobilidade à frente das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda

Trens da Linha 8-Diamante (Foto: Gustavo Bonfate)
O título desse artigo pode parecer exagerado e até sensacionalista, mas infelizmente não há nenhuma mentira em sua descrição. Hoje, dia 27 de janeiro, se completa 1 ano que a ViaMobilidade assumiu as linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, que desde 1996 eram operadas pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Desde aquela época, a estatal aplicou altos investimentos nos dois ramais, o que se traduziu em uma avaliação positiva junto aos passageiros. Não à toa que eram os dois ramais considerados referenciais da empresa, sobretudo a linha que margeia o Rio Pinheiros.
Desde que o governo decidiu que as duas linhas seriam concedidas após uma Manifestação de Interesse Privado (MIP), diga-se de passagem, uma decisão política, os estudos tão logo se iniciaram. Nesse meio tempo, o Grupo CCR, por meio da ViaMobilidade, vencera o leilão das linhas 5-Lilás e 17-Ouro. Com isso, considerando a boa experiência da empresa na Linha 4-Amarela, criou-se uma grande expectativa sobre o grupo também assumir das linhas da CPTM, mesmo se sabendo que a linha administrada pela ViaQuatro tem esse alto nível de satisfação por diversos fatores e não pelo simples fato de ter uma operação privada.
Com o êxito da ViaMobilidade no leilão das duas linhas, havia uma promessa de melhoria. Alguns iludidos chegavam a usar a Linha Amarela com exemplo do que estaria por vir nas antigas linhas da CPTM. O Plamurb chegou a pedir cautela, mas enfim, o entusiasmo e a excitação mental cegavam as pessoas.
Os problemas começaram a aparecer ainda naquela fase de transição, quando a CPTM apenas supervisionava. Já quando a ViaMobilidade assumiu sozinha, toda aquela imagem da Linha Amarela começou a ruir dia após dia. A situação ficou tão ruim que, pasmem, vimos em vários lugares pessoas pedindo a volta da CPTM.
De lá para cá houve descarrilamentos na Linha 8-Diamante, colisão na plataforma da Estação Júlio Prestes, falhas de energia na Linha 9-Esmeralda e, infelizmente, o triste falecimento de um colaborador da empresa.
Com tantos problemas, o Ministério Público (MP), felizmente, passou a agir de forma bem incisiva, fazendo aquilo que o governo estadual deveria fazer. Inclusive fala-se em romper o contrato. Falando em governo estadual, nunca vimos tamanha falta de vergonha nas declarações de João Doria e Rodrigo Garcia. Ambos endossavam a concessão dizendo que era o melhor caminho, sendo que Garcia chegou a afirmar que se tratava de sabotagem de antigos funcionários da CPTM.
A situação ficou tão insustentável que o governo firmou um termo de cooperação, de modo que os funcionários da CPTM passassem a auxiliar os funcionários da ViaMobilidade em tarefas de manutenção e operação. E, claro, ainda teve as afirmações infundadas daqueles defensores das desestatizações, alegando que a CPTM passou linhas sucateadas e trens velhos. Um completo absurdo!
O índice de avaliação caiu a níveis de meados dos anos 2000, quando a Linha 9-Esmeralda ia apenas até a Estação Jurubatuba e operava com trens de quatro carros. As manchetes nos veículos de comunicação passaram a ser quase diárias sobre falhas nas duas linhas. Aquela boa imagem da Linha 4-Amarela, simplesmente havia acabado.
Mas o que explica tantos problemas, considerando que a empresa possui experiência em outras linhas? Bem, a resposta é simples: essa experiência não serve para as linhas da CPTM. A Linha 4-Amarela nasceu com tudo o que havia de mais moderno na época. Seu nível de automatização é muito maior, diferente das linhas da CPTM que possuem um nível de automatização inferior. Em outras palavras, as linhas 8 e 9 possuem um nível de dependência humana maior. A ViaMobilidade talvez não tenha ou não quis pensar nisso. Além disso, podemos incluir fatores relacionados à inserção urbana, capilaridade, pendularidade e como a linha está implantada.
Há outros fatores, neste caso, não exclusivos da concessionária: empresa privadas visam o maior retorno financeiro possível e isso não está nem um pouco errado, muito pelo contrário. O problema é pensar em um alto retorno financeiro em um serviço essencial e de aspecto social, que é o caso do transporte público. Um sistema ferroviário demanda de muitos recursos para manutenção e operação. No começo dos anos 2000, quando se tentou concessionar as linhas da CPTM, o presidente da estatal, na época, Oliver Hossepian Salles afirmou que “…nesse setor, uma concessão dificilmente se sustenta em fazer investimentos e ainda arcar com custos de operação.” Ele deu essa resposta ao ser questionado sobre razão de investir nas linhas antes da concessão. E como podemos ver, ele não estava todo errado.
Empresa privadas almejam o lucro. E para auferir esse lucro, eles estimam o quanto devem investir. Se para garantir esse retorno financeiro haver a necessidade de um investimento aquém do ideal, eles o farão, mesmo que isso comprometa a qualidade do serviço prestado. E no transporte público, de uma maneira geral, infelizmente isso ocorre.
Pelo lado do governo ainda houve outros problemas no processo, como a pressa na concessão, tempo de transição insuficiente e um Edital capenga, com exigências abaixo do que se espera em uma licitação robusta com essa. Não há segredos. Na área de mobilidade urbana, os investimentos precisam ser vultosos para que se entregue um serviço adequado. Se fizer menos, o serviço sempre será deficiente. Isso vale para essas concessões e também pela forma como os governadores e prefeitos enxergam o transporte público. A simples decisão de construir um corredor de ônibus, está diretamente ligado a isso que escrevemos mais acima.
Se a ViaMobilidade quer entregar um serviço, no mínimo, nas mesmas condições que recebeu da CPTM, terá que fazer altos aportes. E quando falamos em altos aportes, são cifras vultosas mesmo, nada de mesquinharia. A questão é que isso implica em um retorno financeiro menor do que previam, mesmo com as cláusulas contratuais que cobrem seus prejuízos.
A CPTM, nesses 26 anos, investiu muito nas duas linhas. E esses investimentos precisam ser constantes, por isso a importância do Estado tomar as rédeas na gestão e operação de sistemas sobre trilhos, assim como é na maioria esmagadora dos outros países, sobretudo na Europa. O que está em jogo é o dia a dia de mais de 1 milhão de passageiros. Passageiros esses que deveriam ser mais respeitados, tanto pelo concessionário, quanto pelo poder concedente.
Mesmo sabendo que isso é pouco provável, estamos aqui na torcida para que o contrato seja desfeito e as linhas voltem para a CPTM. E mais do que isso, que o governo estadual entenda o papel da empresa na mobilidade urbana, e o papel desta na vida das pessoas. O discurso liberal deveria dar lugar a um discurso racional, afinal, só quem usa as duas linhas diariamente sabe o sofrimento.
Aliás, se é para trazer a iniciativa privada para a operação metroferroviária, que ela tenha iniciativa de fato, pois o que notamos hoje são ações pura e simplesmente lesivas. Em outras palavras, eles fazem aquilo que tanto criticam.
Antes de finalizarmos, deixamos claro que prezamos pelas boas práticas de mobilidade urbana e o transporte público. Em 1 ano a ViaMobilidade poderia sim ter melhorado algo, o que não se vê. Reformar banheiro e cortar grama ainda está muito aquém. A empresa precisa esquecer a Linha Amarela e até mesmo a Linha Lilás e focar nas linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda.
source https://plamurbblog.wordpress.com/2023/01/27/colisao-descarrilamentos-e-passageiros-insatisfeitos-o-primeiro-ano-da-viamobilidade-a-frente-das-linhas-8-diamante-e-9-esmeralda/
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