Estatutos de Igreja e sistemas organizacionais

O texto em questão foi desenvolvido como resposta a uma pergunta, que parece resumir bem as dúvidas e necessidades de quem procura os Estatutos que estão neste perfil do Jusbrasil. https://www.jusbrasil.com.br/comentarios/1303478590#comment_1303478590?

Transcrevo-a abaixo:

"(...) Percebemos que o uso mais comum seria o de Governo Congregacional por melhor atender as exigências cartoriais. Porém, já se é sabido entre os escritórios de consultoria e apoio administrativo, uma grande procura por parte de alguns pastores que tem tido certa dificuldade com suas igrejas (a princípio de pequeno porte) pelo estatuto social com governo eclesiástico episcopal, pelo fato deste, restringir a tomada de decisão a figura do pastor presidente, e ao contrário do que é orientador, poder regularizar uma igreja com um número menor de membros em sua diretoria. O que significa dizer que a partir de duas pessoas já poderia oficializar em diretoria e mesmo assim, atender os requisitos."

Pode-se dizer que assunto é bastante complexo, mais pelo entendimento dos religiosos que pelo caráter jurídico da questão.

Do ponto de vista do Direito as igrejas evangélicas são associações, e assim pensou o legislador quando quis enquadrá-las desta forma no Código Civil de 2002. Este entendimento fez com que muitos eclesiásticos, indignados com o que consideravam uma intromissão indevida nos assuntos religiosos, tentassem pelas vias possíveis declarar a inconstitucionalidade do diploma jurídico, alegando violação à liberdade de culto.

O bom senso, ao final, foi adotado: igrejas e partidos políticos foram retiradas do rol das associações, dando aos templos a faculdade de se organizar da forma que lhes fosse mais conveniente - e resolvendo um problema de suma importância para os evangélicos, tendo em vista que a organização da denominação é modelada, para os religiosos, por um sentido bíblico, mais do que pelo raciocínio lógico dos operadores do Direito Civil.

Grosso modo, as Igrejas evangélicas costumam adotar os seguintes sistemas de administração:

- congregacional: a Assembleia Geral detém poderes plenos sobre as decisões da igreja, sendo, em regra, a última instância deliberativa, podendo ou não delegar ao ministro religioso (Pastor Presidente) responsabilidades administrativas;

- presbiteriano: um Conselho, de caráter deliberativo e formado por leigos e clérigos, decide as questões administrativas e de caráter espiritual da denominação;

- episcopal: o poder sobre as decisões é concentrado na figura do ministro religioso que preside a igreja, sendo do ministro (Pastor Presidente, Bispo, Apóstolo etc.) a palavra em todas as decisões relacionadas com a entidade.

Um jurista pode considerar que o sistema congregacional e o sistema presbiteriano são mais adequados às associações eclesiásticas em geral - assim como o legislador pensou em 2002. Ocorre, contudo, que o tipo de igreja mais comum no Brasil, a famosa "portinha", é fruto de investimento pessoal de seus dirigentes e de um grupo pequeno de membros, o que traz a necessidade de uma estrutura enxuta.

A solução, que alguns destes estatutos costumam utilizar, foi reduzir ao máximo a Diretoria Executiva das Igrejas, reduzindo-as a três membros: um Presidente (que é, geralmente, o ministro religioso, acumulando a direção administrativa e as atividades espirituais), um Secretário (que cuida, principalmente, do rol de membros e do gerenciamento patrimonial da denominação) e um Tesoureiro, com as funções habituais do cargo.

Em outros estatutos foi inserida a função de Vice-presidente, facultando a este ajudar o Presidente nas suas atribuições como ministro religioso - o que garante a manutenção das atividades da Igreja na ausência do titular.

Quanto ao Conselho Fiscal, muitos destes estatutos optam pela sua existência, mas com a possibilidade de fazê-lo agir como Conselho Consultivo - agindo, na prática, como um "freio" às pretensões impositivas da Diretoria Executiva, através da faculdade que este órgão possui de convocar a Assembleia Geral no caso de irregularidades (que, muitas vezes, não são na esfera financeira).

Este, particularmente, é um modelo bastante adequado, ainda mais considerando-se muitas denominações não possuem membros com especialização suficiente para fiscalizar de forma adequada a contabilidade das denominações (que, muitas vezes, possuem Comissões de Verificação de Contas, que não tem caráter fiscalizador ou o poder do Conselho Fiscal de uma ONG, por exemplo).

Atendendo aos anseios de muitos, foi disponibilizado um modelo de Estatuto sem Conselho Fiscal, no qual os poderes deste foram transferidos à Assembleia Geral; digno de nota é que neste, a fim de simplificar a estrutura organizacional da igreja, foram fundidas as figuras do Secretário e do Tesoureiro em um cargo, o de Secretário-geral, subordinado ao Presidente.

É um modelo adequado às necessidades crescentes das pequenas igrejas, mas que pode converter-se em um grande problema para estas, no caso de crescimento da denominação.

Vale a pena observar, ainda, que assim como ONGs e associações inserem seus objetivos e princípios nos Estatutos, vale a pena que a Igreja também os faça, na forma de uma Confissão de Fé - que, contudo, não é obrigatória, tendo em vista que o legislador impôs muito poucos limites para a forma jurídica de organização dos "templos de qualquer culto".

Independente do exposto, o Estatuto de Igreja deve ter delimitado os limites da autoridade do ministro religioso, seu lugar e atribuições, da Diretoria, da Assembleia Geral e de órgãos administrativos (Conselho), e sua relação entre eles - além dos procedimentos de admissão e disciplinares. No mais, reiteramos que não há uma imposição organizacional às Igrejas e templos de qualquer culto - mas que as exigências de ordem legal para sua regularização ainda permanecem válidas, como em qualquer pessoa jurídica.

Segue o link para um ótimo texto a respeito dos nuances da criação e formatação de organizações evangélicas, publicado no site Migalhas: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariaiseregistrais/339801/rcpjea-qualificacao-de-e... (inserido em 02/03/22)

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